sexta-feira, outubro 06, 2006

(Sem) Réquiem

Thiago Berzoini

Ele observava sereno, da janela de seu quarto, a rua.
Imaginara a árvore que havia ali em frente e que deu lugar ao caminho de uma garagem do prédio onde algumas dezenas de pessoas vivem.
Pensava em como antigamente a paisagem era mais acolhedora e bucólica...
Sentou-se em sua cadeira de balanço, e suspirou, na tentativa de sentir um perfume que lhe acolhesse, mas o cheiro que sentiu foi o seu próprio perfume. Olhou para os lados imaginando como seria se ao menos tivesse flores ali em seu quarto. Sim, flores. Ele não resmungava, estava sereno demais, estava triste até mesmo. Balançava-se na cadeira,e deixou de chofre escapar um sorriso tímido, quase não era um sorriso, mas ainda assim era. E foi involuntário. Imagine só, sorrir por pensar em algo, que nunca ocorrera em sua vida. Pensava nas tais flores que poderiam fazer parte de seu quarto de paredes brancas e um pôster de um antigo filme, “teu nome é mulher”. Suspirou uma vez mais insatisfeito, e foi aí que seu sorriso cortou-se e voltou a ter aquela expressão séria, serena, porém preocupada. Mas não, ele não ocupava a mente com problemas, não eram dívidas, nem se preocupava com os filhos, ou os netos, até porque nunca os tivera. Franzia a sobrancelha, por pensar, naquele momento, como teria sido se tudo tivesse dado certo, se tivessese dedicado menos ao trabalho, se tivesse se casado com seu primeiro amor, e se dali, tivessem nascidos os dois filhos, um casal, ambos com nomes de poetas. Sorriu, satisfeito, e imaginava naquela casa de cômodos largos as crianças correndo, brincando de pique, enquanto na cozinha, sua esposa preparava um sanduíche de presunto para aqueles dois pequenos. Ele na sua poltrona assistia a algum grande clássico da Paramount, da década de 50. Ficaria prestando atenção nos filhos sorridentes, e não no filme. Mas estaria feliz, pois o filme já teria visto milhares de vezes e seus filhos, esses sim valiam a pena ter sua atenção. Uma lágrima desceu pelos seus olhos, e tão leve, acariciava a pele carcomida pelo tempo enquanto descia até seu queixo, seu sorriso se esvai novamente. Seu sorriso se esvai muito fácil, e sempre se esvaiu, desde quando ainda era rapaz. Era sério, e maduro demais quando ainda nem precisava. Foi a vida, ele sempre pensou assim, foi ela a responsável pela dureza adquirida, e pelo rumo das coisas. Balançou-se um pouco mais forte,e pensou, como seria se os amigos viessem no sábado a noite jogar uma partida de Buraco enquanto deliciavam um vinho, mesmo que a safra não fosse das melhores, apenas pelo prazer de degustar o vinho enquanto jogavam amigavelmente o carteado, como os amigos de seu avô faziam na velha casa quando ele ainda era criança. Mas eles nunca foram. Nunca houve uma partida em sua casa. A única partida que conhecera em seu lar, foi daqueles que amou um dia.
E então, lhe veio à mente novamente as crianças, pouco mais crescidas querendo dinheiro para sair com os amigos, e ele lhes repreendendo carinhosamente, como só um pai saberia fazer, dizendo-lhes sobre o perigo que “essa juventude” oferecia. Suspirou uma vez mais, na tentativa de sentir o perfume de seus filhos. Sentiu apenas seu próprio cheiro, “cheiro de velho”. Imaginou sua esposa que jamais teve olhando apaixonada, encostada no vão da porta de sua casa aconchegante enquanto as crianças fechavam a porta da sala. Tão leve, mais uma lágrima desceu, e então, com suave sorriso fechou seus olhos, e foi descansar.Sem nenhuma flor, sem nenhum perfume, sem nenhum filho ou esposa. E sem quem alguém lhe visitasse. Lá fora, o mundo nem mais lembrava seu nome. Mas a cadeira balançava naquele quarto branco, e o sol iluminava suas pernas, a lágrima escorria sobre sua face, e então, a cadeira não mais balançou.

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