Desmemória do ilustre angolano: agonia constante
de Thiago Berzoini
I
Agonia constante o abatia há meses e então, cansado de viver na casa do velho Ramalho, resolveu pegar a velha bolsa de pano puído e colocar seus poucos pertences dentro dela. Abriu a gaveta calmamente e observou os seus objetos. Uma fita cassete, um walkman, duas pilhas, um pequeno calendário com uma paisagem árida e fotos de uma mulher que lhe dava repulsa, apesar de bonita. Havia ali também alguns livros, dois aristóteles e um Camus de páginas amareladas e já carcomidas, e um Faulkner com dedicatória trazendo os dizeres: "Saboreie este intenso volume. com carinho, Almiro e Amanda". Quem eram e por quê lhe deram o livro ainda era um mistério, mas de todas as coisas não sabidas, "Almiro e Amanda" eram os que menos lhe incomodava porém o que mais lhe impulsionava a sair dali. Havia uma vida inteira esquecida, e ansiava por lembrá-la. Almiro e Amanda sendo os nomes únicos que possuía de seu passado eram assim caminho para alguma descoberta. Porém, os meios para se chegar a esse caminho lhe era estranho, inimaginável. E pensava nisso enquanto posicionava as pilhas no walkman e colocava suavemente a fita cassete como se tivesse um prazer infantil em ouvir os estalares e ruídos dos encaixes do aparelho. Apertou o "play" e ouviu uma vez mais um trecho da música que mais lhe agradava naquela fita. Ramalho certa feita lhe disse o nome do conjunto: "Duo Ouro Negro", e certamente nada lhe dizia esse nome.
Foi até a janela de onde olhou a vizinhança pobre. Pensava se deveria se despedir de Ramalho.
Não lhe era decisão fácil, e por isso mesmo recostou-se na cama ouvindo a fita e adormecera...
Não lhe era decisão fácil, e por isso mesmo recostou-se na cama ouvindo a fita e adormecera...
"Quando amanhã romper eu vou cantar,
eu vou sorrir, eu vou viver..."
A canção tocava como uma ode à esperança daquele desmemoriado angolano adormecido na cama.
BERZOINI, Thiago. Desmemória do Ilustre Angolano.
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