terça-feira, julho 29, 2008

O Sorriso de Nat King Cole na Avenida

Por Thiago Berzoini
Naquele ponto de ônibus, a noite vislumbrava, ainda, continuidade.
Alinhado, parou incomodado. Pessoas se esfregando, o esbarrão ocasional dos corpos se aproveitando da ocasião, o suor misturado com o perfume da sexualidade desglamourizada do fim de tarde, na parte baixa da cidade.
Ele, incomodado.
Gente feia. Perfume barato.
Olhar angustiado.
Sem porquê.
Duas pérolas de pureza, peles negras, arrancam breve sorriso do homem de olhar cansado.
Preocupado sorri pouco.
A vida anda promissoramente tacanha, móe a fé.
Aquelas crianças, de roupas puídas -ele com um casaquinho azul-pelúcia encardido, ela com duas chiquinhas mal feitas, cabelos crespados mal cuidados, jaqueta rosa rasgada na manga - ainda não viram o esmaecer do farol (mesmo que já apagado) - (des) saber triunfal da infância.
Em meio à tanto vazio, mesquinharia brinde do cotidiano, sorriam felizes,elas, entre si. Encostavam lábios pequenos e alegres em suas sujas palmas das mãos, respectivas, e sopravam olhando, admiradas, para cima: outdoor reinando sob suas alturas infímas.
Sorrisos breves. Gargalhadas embaladas pelo cheiro do churrasquinho da esquina.
Eram beijos enviados com um sopro leve, infante, para Nat King Cole. Ele, numa foto antiga e pouco tratada, gigantesco até para os crescidos.
Anúncio de um musical sobre sua vida, no teatro mais nobre da cidade - informação essa que aquelas crianças encantadas desconheciam.
Perguntava-se - observando a cena, quase chegou a marear os olhos secos - se Nat Kin Cole os lembrava o pai, tio ou avô. Certamente, não conheciam o músico, mas era de alguma forma, carismático o suficiente para merecer o curioso carinho despertado nos, deduzia ele, irmãos. Arrepiou-se ao ver a cena. Perdeu-se (quase) do incomodo da lotação (estúpida) do fim da tarde naquele ponto de ônibus.
No meio daqueles, era só um. Gostava disso, em parte, embora nunca admitisse.
Sua condução tardia estacionando (enfim).
Olhou Nat King Cole no seu outdoor: solitário, sorriso (triste) - (triste) talvez da felicidade do sucesso. Sabia que a "fama" era um gozo doído, cria, naquele sorriso Cole também sentia-se assim. Cismava com o sorriso de Cole. Sincero, ainda assim, forçado. Talvez o foco fossem os olhos mas poesia mesmo era sorriso, decidiu que era assim, e foi. Já vira a foto, no Outdoor percebia-se mais triste.
Antes de subir no ônibus, de chofre olhou pros pequeninos.
Sentados, a mãe até então figurante imperceptível na cena, agora abaixada abrindo um pacote de biscoitos recheados. Na mão da menina, meio biscoito com recheio ao ar livre.
Tumulto, roleta.
Bancos ocupados. Claustrofobia.
Silêncio.
Celular, - (distante) monofônico Mozart-, "Alô, tô indo...".
Suor. Sinal vermelho.
Ninguém espera.
Longa avenida.

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