O fim de Jorge Borrete
Escrito por Thiago Berzoini
"Lá estavam eles, repousavam as lâminas espreitas e ocultaram as línguas farpentas. Pelos braços jocosos aconchegaram mais um dos meus. Observei calado, e cheguei até, em certo momento, acreditar que eram pessoas normais como qualquer outra a quem se convivia no dia-a-dia. Mas não, esses seres eram ardilosos e apesar da aparência física semelhante à humana, creio eu, a essência era monstruosa. Se possuíam cabelos, nariz, boca, olhos, tronco membros inferirores e membros superiores, tudo como estamos acostumados a ver, possuíam, também, em seu íntimo um tenebroso estilo de sociedade. Sim, pois se organizavam em uma pequena sociedade. Eram ensimesmados e isso até me agradava neles, pois era a parte que eu me sentia próximo.
Adormeci brevemente no cair da tarde, logo quando receberam-no com abraços, e acordei á noite.
À noite retiravam as máscaras de jacarandá, com pinturas em amarelo e vermelho e, enquanto meus subordinados dormiam, dançavam em volta a uma fogueira que exalava uma densa fumaça com odor desagradável, odor forte, que me lembrava cheiro de carne queimada.
Lembro-me desse cheiro pois logo no primeiro dia que nos embrenhamos a contra-gosto nessa floresta selvagem a qual agora nos encontramos, -e não todos juntos, é verdade...pois alguns ainda se encontram perdidos ao redor desse verde extenso -, Ramirèz, com sua tocha, acabou se incendiando ao acidentalmente cair. O coitado torceu o pé ao pisar em falso, em cima de um lagarto morto, incendiando as próprias pernas e o fogo se alastrou rapidamente pela mata, e igualmente veloz pela sua roupa. Não estávamos perto, por isso não tínhamos como ajudá-lo. Quando cheguei perto de onde estava, eu o vi correndo para o meu lado, o cheiro era forte, e ouvia sua carne estalar. Ele caiu, e rolou no chão, eram gritos ensurdecedores, e rolava, até que pararam os gritos e os movimentos. Havia morrido o pobre Ramirèz que, em momento algum queria estar nessa expedição pelo que os colegas disseram depois de vê-lo carbonizado, mas que nunca reclamou comigo. Ele era bom, o pobre Ramirèz... Não tão bom era o nobre Jorge Borrete, que chegara há pouco e fora recebido pelos já ditos "braços jocosos" do povo mascarado. Agora Borrete dormia, e o povo estranho dançava ao redor da fétida fogueira. Começaram então a entoar pequenos cantos, imagino eu de guerra ou de oferenda, breves sussurros e esganiçavam a voz, quase que como uivos. Faziam uma coreografia desengonçada e torpe, alguns pareciam enebriados. esses eram os homens mais velhos, dançando cambaleantes, haviam inspirado uma fumaça que saía de dentro de um côco verde... Não posso sequer arriscar um palpite sobre o que se tratava a tal coisa que eles inspiravam. Mas era algo forte.
Mais distante, a pequena cabana, onde Borrete estava a dormir. Ele agora chega na porta, parece atordoado. Lá há dois deles, que faziam guarda e imediatamente se aproximam de meu colega, parecem conversar, mas a maioria deles não fala nossa língua. O mais velho, o que mais cambaleia ao dançar, era o único que entendia o que eu dizia. Borrete levou uma porrada no estômago, da lança do esguio guarda que o abordava. Borrete cai de joelhos, esfrega a barriga, enquanto faz caretas. A lança atinge sua nuca, e ele cai, deitado. Voltou a dormir pelo menos, e não vai sentir dor. Percebi enquanto o homem o acertava na nuca, que o segundo "vigia" correu até a roda em volta da fogueira e disse algo ao velho enebriado. Este por sua vez estancou seus pés, quase firmes, na medida do possível, e ouviu o que o outro dissera. A dança parou aos poucos, e o silêncio tomou conta do lugar, todos ficaram estáticos. O velho tocou a fronte daquele que ficou a lhe falar por alguns instantes e então virou-se para os demais, que se encontravam até segundos atrás comemorando. Murmurou algo. Entre os outros, um burburinho se estabeleceu, e o velho num grito fino, e ríspido apontou para a cabana. Dançavam novamente ao redor da fogueira, enquanto os dois homens que se encarregavam de fazer a guarda de cabana traziam Jorge Borrete, desmaiado. Aproximaram-se da fogueira...jogaram teu corpo ao fogo. E todos sem exceção dançaram ainda mais eufóricos enquanto o corpo de meu amigo queimava, e a carne estalava. Não gritava de dor ao menos, já deviam tê-lo matado. O cheiro de carne queimando invadiu meu nariz, e senti-me nauseante. Em menos de um minuto, o meu peito fora enxarcado pelo meu vômito. Não nego, o calor ali era insuportável e eu assim, ao menos me refresquei...
Rezei à São Cristóvão para que me enviasse alguma ajuda, pois eu me encontrava fatigado, com o corpo dolorido, e sem saber o que mais assistiria antes de encontrar meu derradeiro fim. Enquanto eu orava, eles dançavam e contorciam-se numa festa que se tornou lentamente orgiástica..."
Writen by Thiago Berzoini - all rights reserved - "Trechos inóspitos de minhas memórias pelas terras do Globo desconhecido". 2006
2 Experimentaram o Café:
Muito muito bom! Mesmo!
Quando sai seu livro de contos hein? :)
Ah, observei que vc é bastante apegados aos sentidos, principalmente olfato (certo?)
Beijos
Ler isso pelo blog parece menos tremulo que num sabado de madrugada depois de momentos 'pinpon'! hauHAUh
Euuu gostei!
beijo!
Postar um comentário
<< Home